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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Roberta 2 de fevereiro de 2007


Eis meu desabafo: eu nunca consegui terminar nada. Desde criança, não terminava meus desenhos, ou de colorir meus livros, ou de montar meus quebra cabeças. Sei lá... devo ter vindo com defeito sabe? Minha mãe que sempre me dizia: essa menina nunca termina nada que começa! E ria... Ah! Mãe é sempre linda né? Ri de tudo que a gente faz. Mas a verdade, é que assim como todo mundo ela achou que isso iria passar, mas sabe como é, o que passou na verdade, foi o tempo. Mas esse meu jeito de nunca terminar nada, ficou pra sempre comigo. E até hoje. Nunca terminei um curso por exemplo. Já iniciei 7 cursos técnicos e quatro faculdades! Em das delas fui até o ultimo ano. Mas não sei... Me dava uma agonia sabe? Uma angustia de ver o fim.... E eu sempre abandonei tudo. Sumia! Mudava de endereço e até de nome. Nenhum namorado meu, soube da minha boca  por exemplo que o namoro acabou e por que acabou, aliás, se for pensar bem, acabar mesmo nenhum acabou. Eu ia sumindo...sumindo...sumindo até que puf! Desaparecia da vida da pessoa. Na verdade, eu tenho uns pares de desafeto por conta disso.
      Mas eu também sempre achei que ia mudar sabe? Aos doze, achava que com quinze seria diferente, com 15 achava que aos 18, com dezoito achava que com 21...enfim. Sei que o tempo foi passando, passando e passando e eu estou aqui. 33 anos e nunca terminei nada. As vezes fico pensando que as coisas inacabadas  da minha vida, aquela poesia, aquele curso de corte e costura, aquela reforma, aquele amor de carnaval, aquela garrafa de vodka, aquele cigarro ali no cinzeiro, estão flutuando em cima de mim. As vezes quando eu me deito, consigo até enxergar.Cada resto de sonho inacabado, pendurado no teto na minha vida, no teto da minha casa. Pesa. Eu tinha vontade é de poder voltar no tempo e terminar as coisas, ou então, não ter nem começado. Aliás, não faz sentido que uma pessoa que odeie tanto o fim comece tanta coisa certo? Pois é, cheguei nessa conclusão de uns anos pra cá. E parei de começar. Evito os fins, porque neles, sempre tem algo ou alguém querendo te machucar.
      Vocês já repararam na fragilidade das relações humanas? Se relacionar é como sapatear num piso de espuma, com a exceção de que o piso de espuma não te machuca quando você cai. Quantas relações vocês acharam que duraria pra sempre? Amizades, namoros, lembranças, sentimentos? Na verdade eu evitava o fim pra tentar deixar tudo eterno. Deu certo por um tempo, mas depois eu vi que tinha criado fantasmas... E agora eles estão comigo o tempo todo. Eu parei de começar qualquer coisa. Parei de sair de casa. Desajustei os relógios pra não começar os dias. Rasguei calendários. Não queria começar semanas, meses ou anos. Quebrei meu telefone. Não queria começar conversas.apaguei a luz e fiquei ali... quietinha. A comida acabou. A luz foi cortada. As pessoas me esqueceram. E eu fui ficando cada vez mais





Carta encontrada na casa de Roberta, em janeiro de 2014, junto ao corpo da garota, que segundo peritos estava ali a seis dias. Juntamente com meias xicaras de chá, meio cigarros no cinzeiro, meias garrafas de bebida alcoólica e meia caixa de um forte remédio. A carta não foi terminada, infelizmente não podemos dizer o mesmo sobre sua vida. Contudo, tinha um semblante satisfeito e um quase sorriso. Parecia feliz. Arrisco a dizer, que suicidou-se por um sonho de vida(ironicamente) Um tanto mórbido, é verdade. Mas pelo menos em seus últimos minutos de vida, Roberta saberia, que pelo menos uma coisa, ela haveria de terminar.

Heloisa Mandareli

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