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quinta-feira, 7 de novembro de 2013

E Alguém Vai dizer que é Exagero



Acreditava ser dona de si

Tola.

Não era dona de si a muito.

Na verdade, nunca fora.
Nunca se pertenceu

Sempre a outros,
Sempre a vários
Menos a ela própria

Desde o primeiro momento
Seu choro sofrido do nascimento
Sabia que se perdia ali

A levaram pra longe da mãe
E cometeram o maior ato de tortura
Furaram-lhe as duas orelhas
Não pediram licença,
Aos pais –talvez-
Mas nunca a ela

E nem deveriam
Desde já saberia seu lugar
Submetida as vontades e julgamentos alheios
O dourado das suas orelhas
Ardiam como marca de ferro quente
Nos bichos que estão no pasto

Porém o que se seguia
Era um amor sem medir
Que atenuavam as dores
As primarias e as por vir

Não sem cobrar nada, porém
Percebeu logo que todo esse afeto tinha um preço
Tratada como princesa
Deveria se portar como tal

Seu corpo foi sendo novamente submetido
A tudo e todos
E quase nunca a ela.

Aos três anos, não pode brincar de carrinho
Ou escolher outra cor

Aos cinco, disseram
Tira mão daí
Que pra menina isso é muito feio

Aos sete, queria fazer esporte
Mas com medo de que se tornasse bruta demais
Foi pro ballet

Não pode cortar o cabelo curto, aos oito
Porque a confundiriam com os meninos

Aos dez, ficou mocinha
E não pode mais usar bermuda curta
Que isso não são modos de dama

Nem falava alto
Nem brincava na rua
Pois tinha tarefas domésticas
Nunca podia escolher

E sempre que questionava
Recebia como resposta
Que o mundo era assim

Cresceu sob grades cor-de-rosa
Casou-se com um bom partido
Não que fosse da sua inteira vontade
Mas pelo que diziam parecia o certo

Foi mãe sem vontade nenhuma
Não de um, mas de três

E ainda assim
Lhe julgavam pelas estrias e celulites
Foi pra academia e fez dietas de fome
Sem vontade nenhuma

Precisou ouvir
Que se fosse deixada
A culpa seria do seu desleixo

Precisou ouvir
Que se os filhos aprontavam
É porque não tomava conta direito

Precisou ouvir
Que não trabalhava fora
Por que era folgada

Nada disso no entanto
Parecia lhe atingir

estava tão acostumada, a ser subjugada
Que vivia na inércia
Como uma maquina a seguir padrões

Nunca foi feliz com seu corpo
Nunca saciou suas vontades
Nunca teve um orgasmo
Nunca pediu por nada disso

Mas sua vida seguiu os conformes
Pois tinha cometido, talvez o maior dos pecados
Tinha nascido mulher.
E toda violência, lhe era justificada.
Gravura: Edward Hooper

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Tempos Outros

E da minha vida
Vos digo:
Ando perdida

Sem rumo
Sem tino

Sem saber se vou se racho
Tempesteando em copo d’água
Apostando na sorte,
No horóscopo
No tarô
Nos testes de revista

É ou não é, caso de gente repleta de estranheza?
E digo mais,
Ando por aí
Enxergando outras belezas

Ando achando bonito
As coisas mais absurdas
De raios em dias chuvosos
E coleções de guarda chuva

Ando admirando gente diferente
Daquelas caixinhas tão conhecidas
Gente que assume o que sente
Que não reclama da vida
Outro dia me vi encantada

-veja você-

Com a moça que vi no espelho
Que me parecia tão sem graça... Sem tempero
Agora com brilho nos olhos, sorriso faceiro.
Neste dia, coloquei minha melhor roupa

E saí de batom vermelho.