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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Falou-se tanto das duas,
Ao saberem que eram mais que amigas

A mãe chorou
A vó praguejou
O pai quis bater
O irmão xingou

Foram acusadas
De tantas coisas
Feias
E sujas

Os otimistas diziam:
É fase

Os religiosos:
É doença!

As vizinhas fofoqueiras:
É sem-vergonhice

Diante de tanta raiva
Tanta revolta
Difícil entender
E até mesmo acreditar
Que no fim das contas
Eles falavam
Não era de crime
Ou de má criação
Não era ruindade
Ou falta de coração

A confusão toda  
 Era sobre amor

Amor do qual
 Não entendiam
  E nem poderiam.

Já tinham se fechado a muito tempo
Nas prisões das regras dos sentimentos.

Como é triste passar a vida

Dentro das caixas do preconceito

Heloisa Mandareli

Urgência

Vem comigo?
Vamos fugir agora?
Eu não aguento mais
Aceitar que tudo tem sua hora
Queria engolir o mundo
E toda arte que nele habita
E tudo de belo que ele oferece
Queria resolver tudo
Acabar com as questões
Desvendar os problemas
Acabar com os senões
Eu sei que é difícil entender
É que eu tenho uma doença rara
Que me mata tanto quanto
Me faz sobreviver
Eu não caibo nesse mundo
Eu nem caibo mais em mim
Eu sofro de urgência
Um caso raro
De urgência profunda
Tenho fome de ser tudo
Tenho ânsias de ser inteira
Minha pressa é de ser feliz
E hoje ainda é segunda-feira.

Heloisa Mandareli

Roberta 2 de fevereiro de 2007


Eis meu desabafo: eu nunca consegui terminar nada. Desde criança, não terminava meus desenhos, ou de colorir meus livros, ou de montar meus quebra cabeças. Sei lá... devo ter vindo com defeito sabe? Minha mãe que sempre me dizia: essa menina nunca termina nada que começa! E ria... Ah! Mãe é sempre linda né? Ri de tudo que a gente faz. Mas a verdade, é que assim como todo mundo ela achou que isso iria passar, mas sabe como é, o que passou na verdade, foi o tempo. Mas esse meu jeito de nunca terminar nada, ficou pra sempre comigo. E até hoje. Nunca terminei um curso por exemplo. Já iniciei 7 cursos técnicos e quatro faculdades! Em das delas fui até o ultimo ano. Mas não sei... Me dava uma agonia sabe? Uma angustia de ver o fim.... E eu sempre abandonei tudo. Sumia! Mudava de endereço e até de nome. Nenhum namorado meu, soube da minha boca  por exemplo que o namoro acabou e por que acabou, aliás, se for pensar bem, acabar mesmo nenhum acabou. Eu ia sumindo...sumindo...sumindo até que puf! Desaparecia da vida da pessoa. Na verdade, eu tenho uns pares de desafeto por conta disso.
      Mas eu também sempre achei que ia mudar sabe? Aos doze, achava que com quinze seria diferente, com 15 achava que aos 18, com dezoito achava que com 21...enfim. Sei que o tempo foi passando, passando e passando e eu estou aqui. 33 anos e nunca terminei nada. As vezes fico pensando que as coisas inacabadas  da minha vida, aquela poesia, aquele curso de corte e costura, aquela reforma, aquele amor de carnaval, aquela garrafa de vodka, aquele cigarro ali no cinzeiro, estão flutuando em cima de mim. As vezes quando eu me deito, consigo até enxergar.Cada resto de sonho inacabado, pendurado no teto na minha vida, no teto da minha casa. Pesa. Eu tinha vontade é de poder voltar no tempo e terminar as coisas, ou então, não ter nem começado. Aliás, não faz sentido que uma pessoa que odeie tanto o fim comece tanta coisa certo? Pois é, cheguei nessa conclusão de uns anos pra cá. E parei de começar. Evito os fins, porque neles, sempre tem algo ou alguém querendo te machucar.
      Vocês já repararam na fragilidade das relações humanas? Se relacionar é como sapatear num piso de espuma, com a exceção de que o piso de espuma não te machuca quando você cai. Quantas relações vocês acharam que duraria pra sempre? Amizades, namoros, lembranças, sentimentos? Na verdade eu evitava o fim pra tentar deixar tudo eterno. Deu certo por um tempo, mas depois eu vi que tinha criado fantasmas... E agora eles estão comigo o tempo todo. Eu parei de começar qualquer coisa. Parei de sair de casa. Desajustei os relógios pra não começar os dias. Rasguei calendários. Não queria começar semanas, meses ou anos. Quebrei meu telefone. Não queria começar conversas.apaguei a luz e fiquei ali... quietinha. A comida acabou. A luz foi cortada. As pessoas me esqueceram. E eu fui ficando cada vez mais





Carta encontrada na casa de Roberta, em janeiro de 2014, junto ao corpo da garota, que segundo peritos estava ali a seis dias. Juntamente com meias xicaras de chá, meio cigarros no cinzeiro, meias garrafas de bebida alcoólica e meia caixa de um forte remédio. A carta não foi terminada, infelizmente não podemos dizer o mesmo sobre sua vida. Contudo, tinha um semblante satisfeito e um quase sorriso. Parecia feliz. Arrisco a dizer, que suicidou-se por um sonho de vida(ironicamente) Um tanto mórbido, é verdade. Mas pelo menos em seus últimos minutos de vida, Roberta saberia, que pelo menos uma coisa, ela haveria de terminar.

Heloisa Mandareli

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Simples


Minha paz é de vidro
Meu santo é forte
E meu coração é puro.
Meu sangue é quente
A carne fraca
O caráter, um muro.
Deito tranquila no travesseiro
De consciência limpa
E alma leve
De tudo que me falta
Três coisas eu não careço
Amor, humor e amanhecer
Certas simplicidades
Não tem preço

Heloisa Mandareli

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Surto

Todo mundo surta.
Surta de raiva
Surta de fome
Surta de febre

Surta porque a hora não passa
Surta porque já passou da hora
Surta casando
Surta solteiro

De dor
De amor
De dinheiro

Surtam os pobres
Surtam os ricos
Os saudáveis
Os doentes

Homens
Mulheres
Crianças

O surto é humano
Não segrega
Não tem preconceito.

Asseguro o direito de surtar
A todo aquele

Que carregar um coração no peito

Heloisa Mandareli

Amor Careta e Louco

Eu quero um amor
Fora da rotina

Que não tenha hora pra chegar
Ou limite de bebida

Um romance sem pudor
Sem amarras
Sem vergonha

Quero que a gente perca o juízo
Que saia sem hora pra voltar
Que se misturem sextas com sábados e domingos

Que a gente saia sem dinheiro
Sem destino,
Sem paradeiro

Quero um amor louco.
Loucuras de amor
Endoidecer pra sempre
E de vez.

Mas de vez enquando,
Talvez de terça a sexta,
Tudo que eu quero
É amor careta

Antigo
Ultrapassado.
Se possível,
Um amor Quadrado.

Quero flores de aniversário
E comédias românticas no domingo
E cafés nos fins de tarde
E letras de musicas melosas

Quero bilhetinhos de bom dia
E danças coladas na sexta a noite
Quero ser o casal chiclete
E dormir colado a noite toda
E fazer planos de futuro.

Talvez bem lá no fundo
Seja só o que a gente queira
Um amor careta e louco

De domingo a sexta-feira

Heloisa Mandareli

Sossego

Ecoa a pergunta
Sobre o que de tão errado
Nós fizemos

Pra ter nossa calma perseguida com tanto afinco
Com tanto engenho.

Se só o que queremos,
É o sonho e o sossego

Sem que se mude em nada
A vida de quem quer que seja.

Será que pedir paz
É afinal,

Pedir demais?

Heloisa Mandareli