Eis meu desabafo: eu nunca consegui terminar nada. Desde
criança, não terminava meus desenhos, ou de colorir meus livros, ou de montar
meus quebra cabeças. Sei lá... devo ter vindo com defeito sabe? Minha mãe que
sempre me dizia: essa menina nunca termina nada que começa! E ria... Ah! Mãe é
sempre linda né? Ri de tudo que a gente faz. Mas a verdade, é que assim como
todo mundo ela achou que isso iria passar, mas sabe como é, o que passou na
verdade, foi o tempo. Mas esse meu jeito de nunca terminar nada, ficou pra
sempre comigo. E até hoje. Nunca terminei um curso por exemplo. Já iniciei 7
cursos técnicos e quatro faculdades! Em das delas fui até o ultimo ano. Mas não
sei... Me dava uma agonia sabe? Uma angustia de ver o fim.... E eu sempre
abandonei tudo. Sumia! Mudava de endereço e até de nome. Nenhum namorado meu,
soube da minha boca por exemplo que o
namoro acabou e por que acabou, aliás, se for pensar bem, acabar mesmo nenhum
acabou. Eu ia sumindo...sumindo...sumindo até que puf! Desaparecia da vida da
pessoa. Na verdade, eu tenho uns pares de desafeto por conta disso.
Mas eu
também sempre achei que ia mudar sabe? Aos doze, achava que com quinze seria
diferente, com 15 achava que aos 18, com dezoito achava que com 21...enfim. Sei
que o tempo foi passando, passando e passando e eu estou aqui. 33 anos e nunca
terminei nada. As vezes fico pensando que as coisas inacabadas da minha vida, aquela poesia, aquele curso de
corte e costura, aquela reforma, aquele amor de carnaval, aquela garrafa de
vodka, aquele cigarro ali no cinzeiro, estão flutuando em cima de mim. As vezes
quando eu me deito, consigo até enxergar.Cada resto de sonho inacabado,
pendurado no teto na minha vida, no teto da minha casa. Pesa. Eu tinha
vontade é de poder voltar no tempo e terminar as coisas, ou então, não ter nem
começado. Aliás, não faz sentido que uma pessoa que odeie tanto o fim comece tanta
coisa certo? Pois é, cheguei nessa conclusão de uns anos pra cá. E parei de
começar. Evito os fins, porque neles, sempre tem algo ou alguém querendo te
machucar.
Vocês já repararam na fragilidade das relações humanas? Se relacionar
é como sapatear num piso de espuma, com a exceção de que o piso de espuma não
te machuca quando você cai. Quantas relações vocês acharam que duraria pra
sempre? Amizades, namoros, lembranças, sentimentos? Na verdade eu evitava o fim
pra tentar deixar tudo eterno. Deu certo por um tempo, mas depois eu vi que
tinha criado fantasmas... E agora eles estão comigo o tempo todo. Eu parei de
começar qualquer coisa. Parei de sair de casa. Desajustei os relógios pra não
começar os dias. Rasguei calendários. Não queria começar semanas, meses ou
anos. Quebrei meu telefone. Não queria começar conversas.apaguei a luz e fiquei
ali... quietinha. A comida acabou. A luz foi cortada. As pessoas me esqueceram.
E eu fui ficando cada vez mais
Carta encontrada na casa de Roberta, em janeiro de 2014,
junto ao corpo da garota, que segundo peritos estava ali a seis dias.
Juntamente com meias xicaras de chá, meio cigarros no cinzeiro, meias garrafas
de bebida alcoólica e meia caixa de um forte remédio. A carta não foi
terminada, infelizmente não podemos dizer o mesmo sobre sua vida. Contudo,
tinha um semblante satisfeito e um quase sorriso. Parecia feliz. Arrisco a
dizer, que suicidou-se por um sonho de vida(ironicamente) Um tanto mórbido, é
verdade. Mas pelo menos em seus últimos minutos de vida, Roberta saberia, que
pelo menos uma coisa, ela haveria de terminar.
Heloisa Mandareli