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segunda-feira, 16 de julho de 2018

Rodney


É tanta mazela
É tanta dureza,
Que me pergunto se é meu direito ser feliz
Rodeada de tanta tristeza.
Aqui do alto dos meus privilegios
Eu assisto os meninos do morro
Vagarem em seus destinos incertos
Como eu posso dormir tranquila
E acordar indiferente
A toda essa dor imensa
Imersa
Dessa gente
Que é gente como a gente
(São gente?)
De que me adianta
Ser positiva
Alimentar a esperança
Vendo a cada dia
Ceifar a vida das nossas crianças
(Ou já não eram crianças? )
Poucas linhas de um jornal
Relatam mais um desfecho
Já esperado
Já tão normal.
Três ou quatro sucintas frases
Se encarregam do ponto final
Menor que as curtas sentenças,
Sou eu.
Incapaz de reagir.
Engolindo o choro de sal
Que embaça a vista
Dessas luzes de Natal.
H.M
*Escrevi esse poema no fim do ano passado, quando saiu a notícia de que haviam encontrado o corpo de um garoto que estava desaparecido há algumas semanas. Não vi notícia mais nenhuma sobre o caso. Tem vidas que importam mais do que outras.

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Reverberações

O pulsar dos sentidos.
O corpo pulsa. Sem pausa
A pele, está em flor
O pulso do peito aperta
Invade
Preenche
O riso se traveste de choro
E vice-versa
Tento ser brisa leve
Tento ser poema
E quase sou.
Na cabeça vulcão
Pousa a queda d’água,
Coração.
Inspira
Canta o pulso
Respira.
Faz-se canção
H.M

sábado, 5 de março de 2016

Amor, apesar

Vou manter as asas abertas
Por causa de
Apesar de.

Apesar da dor
Azar da dor!
Eu vou manter o sorriso aberto

Apesar do grito
Vou gritar sorrindo

E chorar voando,
Apesar da queda,
Amarei as asas.

E cairei com vontade.
E amarei o tombo.
E dançarei com o chão.

E levantarei voo, enquanto eu puder
E quando eu não mais puder,
Amarei a lembrança.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Tinham acabado de ter um maravilhoso sexo matinal. Alice ainda estava nua, com as pernas cobertas por um lençol, tragava um cigarro, bebericava uns goles do café recém passado e olhava pro nada. A namorada que olhava já há algum tempo, disse:

-Acho que você não faz ideia do quanto é sexy.

Nunca soubera lidar com elogios. Sempre acabava respondendo-os instintivamente com uma piada. Virou depressa e fitou-a nos olhos em silêncio por alguns segundos, como quem procura sinais de sinceridade ou de deboche. Decidiu que ela falava a verdade. Deu um sorriso tímido e respondeu

-É, acho que não sei.


Se beijaram.
Fizeram amor pelo resto da tarde.
E depois, pelo resto do ano. 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Procura-se a Poesia


Diante da folha branca
Peno.
Sinto,
Mas não rimo.
Rabisco, apago, amasso
Do papel, já foi um maço.
(E se fosse folha de outra cor?)
Arrisco-me no teclado do computador.
Nada.
ELA
Está aqui em algum lugar que eu sei.
Onde mais estaria?
Brinca de esconder
Brincadeira sem graça eu diria.
Mas eu ainda te acho.
E te racho e desabrocho-te.
E te imprimo e exponho na rede.
E pra não ter risco,
Te decoro e declamo mil vezes.
H.M

sábado, 11 de abril de 2015

Agridoce

Escrever é despir-se.
Expor-se em praça central
Diante de uma lupa
Nua.
Corpo virado do avesso
Agonizante em suas palavras derradeiras
Obsceno e ruborizado.
Se coloca nas entrelinhas
Vira estrofe.
Verso,
Paragrafo.
Eu lírico na terceira pessoa.
Rima nenhuma
Ou Palavra costurada
Brota ao acaso,
Atravessa o grafite
(ou outro instrumento de tortura)
Antes de carimbar o interior das veias.
E libertar as palavras interiores não é uma opção,
É um ato de desespero.
Epilético
Inevitável
inadiável.
Escrever Dói,
Sangra.
Mas, só quem já praticou
Tamanho ato exibicionista
De deixar-se, tocar e sentir
Através das Sentenças de si,
Sabe que ao paladar,
Se faz agridoce.